Aquando a adolescência namorei com o mauzão do colégio. O tipo que todas as miúdas desejavam e que todos os miúdos temiam. Não era respeitado, pelas suas aptidões intelectuais ou pela sua inteligência, que diga-se de passagem era deveras escassa, tendo em conta a pauta em cada final de trimestre. Não era bom na resolução de equações, nem tão-pouco na execução de composições. No que ele era mesmo bom, mas mesmo bom, assim tipo expert, era na porrada. Aí sim o tipo esmerava-se. Arranhava a cara ao adversário, pespegava-lhe pontapés e caneladas, nem que para isso também ele tivesse de ficar com os dois olhos negros. Mas o outro não se safava! Este tipo estava para a porrada como o Einstein para a ciência. Tal e qual!
Era à custa deste dote grotesco de lutador de Wrestling que conquistava as miúdas obcecadas com os seus abdominais bem trabalhados e os seus braços firmes e fortes, mais do que com os seus fracos piropos. Era uma alma fraca, com o qual namorei uma mão cheia de anos. Sim, é verdade que dei cinco anos da minha vida a este Wrestler tosco, que se borrou de medo em cada uma da meia dúzia de vezes que encarou o meu pai. Eu que nunca fui chegada a violências acenei afirmativamente a este namoro com o intuito de fazer pirraça a um grupinho irritante de miúdas com a mania que eram as boazonas do liceu. E depois veio a pena. A puta da pena. Esta cabra que nos fo#@& o coração e nos deixa a alma em frangalhos. Tinha pena de o tipo ser oriundo de uma família disfuncional, em que o pai metia os palitos à mãe que por sua vez não batia bem da bola, em que a irmã não se aguentava nas canetas, tão grande era a permanente moca em que vivia, onde cada um grunhia e gesticulava ao invés de dialogar, onde não existia dinheiro para uma refeição decente, mas havia sempre cem ou duzentos euros para pagar de conta do telefone, e até onde o cão tinha o seu quê de maluco. Depois da pena veio a estúpida da determinação de querer mudar o mundo. E porque não começar por aquela alminha perdida? Quis fazer do tipo um homem honesto, trabalhador e íntegro. Não o podia abandonar assim sem eira nem beira! O que seria dele? E lá vinha a puta da compaixão lixar-me outra vez o coração.
Felizmente a minha mãe com toda a sua astúcia, e apesar da sua ignorância acerca das raízes deste palerma, achava que duas ou três horas semanais ao Domingo na sua companhia eram as suficientes para se chamar a isso de namoro. Conclusão, espremendo esses cinco anos não passei mais do que alguns meses na sua companhia. Contudo, esse namoro chegou ao fim, não devido à conveniente participação intervencionista e regrada dos meus pais, mas devido à minha evolução pessoal e profissional.
Felizmente, a vida proporcionou-me várias experiências e deu-me a conhecer novas realidades, que me fizeram acreditar que a minha vida não tinha que se cruzar mais com a daquele troglodita. Fez-me acreditar que é necessário algo mais do que pena, compaixão, determinação e até mesmo do que o amor (inexistente nesta história) para uma relação sobreviver. É preciso acima de tudo, falar a mesma língua, dividir ambições e lutar pelos mesmos objectivos, partilhar a mesma educação, debater os mesmos temas, gostar dos mesmo filmes e apaixonarmo-nos pelo mesmo livro.
Tenho para mim a incompatibilidade de relações cujos seus interpretes não compitam no mesmo campeonato, que não pretensão ao mesmo escalão social, (que nada tem a ver com o económico), que não dividam os mesmos códigos de honra e de conduta e que não oiçam a mesma canção, tal como afirma o Rui Veloso no seu poema. Pior do que isto, só se um deles palitar os dentes ao final de cada refeição.