Imagine e descreva como seria o dia mais estranho que poderia viver no seu
local de trabalho.
Assim que passo a porta noto a sua ausência.
O que lhe terá acontecido? – Penso. - Nunca se atrasou,
sequer um minuto, durante todos estes anos!
A sua cadeira vazia, é engolida por um silêncio sepulcral. Sinto-lhe
a falta. Não tenho ninguém a quem dizer bom dia, nem tão pouco com quem dividir o meu silêncio. Onde está aquela voz rouca
que esporadicamente se ouve, a não ser para expelir ordens arrogantes? Que faz perguntas
para as quais só ela tem as respostas e que não se cansa de trautear canções irritantes
que se misturam com o som dos teclados.
Sento-me no meu lugar de onde vislumbro a sua secretária
arrumada e organizada, na qual aparentemente costuma reinar o caos e a confusão,
mas onde tudo tem uma ordem só compreensível ao seu senhorio.
Sinto-me confusa, por esta altura já tinha ouvido o seu
pigarrear irritante pelo menos dez vezes. Havia dias em que o seu esforço
constante em clarificar a voz irritava-me. Hoje, estranhamente, sinto-lhe a
falta!
- Sabes alguma coisa do chefe? – Pergunto ao meu colega que
acaba de chegar.
- Não, porquê, ainda não chegou? – Questiona admirado. – Deve
estar para cair algum santo do altar! – Exclama divertido.
- Parvalhão. – Pensei, sem responder enquanto ligava o computador.
Bem sei que não é uma pessoa de fácil trato. Rígido,
arrogante, taciturno, autoritário. Mas gosto dele! Sempre gostei!
A meio da manhã recebo um enorme ramo de flores, com um bilhete,
que diz:
- Bom dia, foi um prazer conhece-la e trabalhar consigo. Devo-lhe
dizer que desde que aconteceu a revolução dos cravos, que deixou este país de pantanas
e especialmente os jovens de cabeças às avessas, a Ana foi a minha melhor
aprendiz. Desde já nomeio-a minha substituta. Está apta a tomar as rédeas e pôr
essa gente na ordem. Da minha parte, vou gozar os restantes dias que ainda
tenho de boa saúde ao lado da minha companheira de há mais de sessenta anos.
Aquela que sempre me apoiou e que sempre tolerou o meu mau feitio. Já estou
velho para correrias, os meus setenta e oito anos já me pesam.
Uma última ordem: apaixone-se, senão vai acabar ranzinza como
eu.
PS: Partilhar
do seu silêncio foi um enorme privilégio.
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