Hoje sonhei com a minha querida ex-amiga Vera. Conheci a Vera
ainda éramos miúdas, de soquetes e joelhos arranhados, de canelas negras e
totós desgrenhados. Brincávamos à apanhada e às escondidas. Corríamos na
praceta, que olhava por nós como uma ama dedicada, empanturrávamos-mos de pão
barrado com manteiga polvilhado de açúcar acompanhado de uma deliciosa caneca
de leite com Nesquick. Já mais crescidas dividíamos amores platónicos entre actores
e cantores pop e rock. Quando nos apaixonávamos era em dueto. Sempre pelo mesmo
rapaz e dividíamos esse amor entre risos e gargalhadas, sabendo de antemão que
nunca seria de nenhuma de nós. Éramos apenas duas catraias magricelas pouco atraentes
enubladas pelas beldades roliças lá do bairro. Passávamos os três meses de
férias de verão juntas e quando chegava mais um ano lectivo sonhávamos com as
férias de Natal para voltarmos a partilhar a nossa vida, as nossas vivências, a
descoberta do nosso pequeno mundo. A nossa amizade era verdadeira, estreita, íntima,
sem filtros, nem falsidades ou mentiras. Éramos amigas a valer. De tão estreita convivência acho que até chegávamos a ser parecidas fisicamente, como os conjuges dos casamentos cinquentenários. Pelo menos houvera quem
pensasse que éramos irmãs.
Tenho pena que esta amizade tenha chegado ao fim. Já passaram
uns bons anos que não nos falamos, ou melhor que nem sequer nos vimos. Perdemos
o contacto, perdemos os laços, desataram-se os nós das nossas vidas, outrora cegos,
impossíveis de desatar. Hoje seguimos lado a lado em linha recta sem nunca nos
cruzarmos. Tenho pena, tenho tanta pena. Sinto-lhe tanto a ausência. Faz-me
falta a alegria, a seriedade, a postura assertiva, o companheirismo do membro
mais importante da nossa minúscula irmandade. Assumo a minha culpa, assumo a
desconsideração que lhe tive, assumo o fraco desempenho, assumo a minha parte
nesta estúpida quezília infantil e insignificante. Todos os dias no meu mundo
secreto, imagino que nos reencontramos e que refazemos a nossa amizade através
de um longo abraço e que todos estes anos de ausência não foram mais do que um “ontem”,
ou no máximo dos máximos uma “semana passada”, e que voltamos às gargalhadas,
às confidências e ao companheirismo de outrora. Quem sabe se Deus não
responderá aos meus desejos. Acredito que sim!
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