Agora a sério, é verdade que esta vida de caixeiro-viajante
é cansativa, desgastante até. É a tristeza de não estarmos juntos, são as
saudades dos abraços, dos beijos, das gargalhadas ou simplesmente da companhia
silenciosa enquanto assistimos a um filme ou lemos um livro. São as saudades
das conversas antes de adormeceremos e das manhãs em que sinto o cheiro do seu
perfume pela casa. E depois existe a parte logística, carrega mala para lá,
carrega mala para cá; ai que hoje existe atraso no voo por causa do nevão que
acabou de cair; ai que estou atrasado, ainda perco o voo. Chau, até quinta. Anda
cá, dá-me um abraço. Liga o Skype para falarmos à noite. Porta-te bem, não me
troques por nenhuma Belga alta, loira e lingrinhas. Não, fica descansada, só te
trocaria pela Gisele Bundchen. Parvo. Feiinha. Amo-te. Também, te amo, é a tua
sorte. És um chato. Não me trates mal senão não volto.
Depois sou eu, que sou uma medricas do catano e que detesto
dormir na nossa casa sem ele. Passo a noite em vigia à espera que o ladrão
trepe até ao sexto andar e que entre pela janela que está fechada, mas como eu
sei que estes ladrões da actualidade são muito hábeis a manusear caixilhos e
estão apetrechados de equipamentos sofisticados para abrir janelas, especialmente
as dos sextos andares, adormeço quando amanhece, para me levantar uma hora
depois. Um miminho!
Não aguento mais uma
noite sem dormir e faço a mala, emigro mais o meu Di para a casa dos meus pais.
Ponho a minha roupa e a roupa do meu Di dentro da enorme Samsonite, faço a mala
da natação, faço o saco da roupa para a lavandaria, pego no saco do lixo para
despejar e agarro na minha mala de ombro. Carrego tudo até ao carro e enfio lá
para dentro à pressa. Não cabe quase nada na bagageira, especialmente a
samsonite, porque a primeira é habitada pelo carrinho do Di. Tiro o carro do Di
e enfio a mala. Ah espera, preciso do carro porque tenho de ir às compras e
tenho de levar o Di. Enfio de novo o carro na bagageira e a Samsonite no banco
da frente. Enfio os restantes sacos e malas na bagageira. Espera, esqueci-me
que o saco do lixo estava entre os outros sacos. Vou busca-lo à bagageira e
meto-o à frente para o despejar no contentor. Dou-lhe um nó para não entornar o
lixo no carro. Sento o Di na cadeira e
sento-me ao volante. Ah espera, esqueci-me do casaco em casa, anda filho vamos
a casa porque a mãe esqueceu-se do casaco. Entramos no elevador, abro a porta, vou
direita ao roupeiro buscar o casaco. O Di não quer sair de casa porque entrou
no quarto e quer ficar a brincar. Olho para o relógio, estou em cima da hora.
Anda Di, vamos filho! Após insistência vem contrariado. Fecho a porta. Entro no
elevador. Abro o elevador porque já não me lembro se fechei a porta de casa à
chave. Volto atrás e verifico que está fechada com duas voltas. Ainda assim
abro a porta para ver se apaguei as luzes. Volto ao elevador. Abro o carro,
sento o meu Di na cadeira, entro no carro. Saio de novo porque me esqueci da
chave do carro no banco ao lado da cadeira do meu Di. Entro de novo no carro e finalmente
arranco. Estou cansada e ainda só são 8 horas da manhã, chiça.
De regresso a casa é o mesmo ritmo e na semana seguinte viro
disco e toco o mesmo e tem sido assim há um ano para cá.
Mas estava eu a dizer que é muito cansativa esta vida de
caixeiro-viajante, mas actualmente é o melhor que temos e não nos podemos
queixar. É chato fazer e desfazer mala, mas é muito bom poder tê-lo todas as
semanas perto de nós, é bom que possamos estar os três juntos mesmo que sejam
apenas três dias por semana. É bom que esteja num país pertinho de nós, onde o sabemos
seguro, onde as pessoas são simpáticas e onde a qualquer momento pode apanhar
um avião e em duas horas, mais coisa, menos coisa, pôr-se perto de nós. Agora
no final só temos de agradecer e rezar para que o próximo projecto seja tão bom como este. Eu por cá, deixarei de ver filmes, tentarei controlar a imaginação,
dormirei o sono dos justos e esperá-lo-ei cheia de saudades de o abraçar.
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