Há
uns anos a minha amiga S ligou-me. Muito estranho, pensei, sou sempre eu a
ligar-lhe, ela nunca me liga, só me visita. Então estás pronta para fazermos a
nossa viagem? Perguntou-me. Qual, aquela que combinámos fazer quando fomos a
Londres? Sim, essa mesma! Estou!
E lá
fomos nós rumo aos EUA. De início ficaríamos apenas uma semana por Nova Iorque,
depois conseguimos mais uma semana em Rhode Island, na casa de uns amigos da S
que passaram de imediato a meus amigos também.
Aterrámos
em Nova Iorque e de seguida apanhámos outro voo para Boston onde as nossas
amigas nos esperavam. Ali, passámos uma semana fantástica em casa destes novos
amigos a quem muito agradeço a hospitalidade. Uma semana depois rumámos a Nova
Iorque. Apanhámos o comboio e duas horas depois estávamos em Penn Station.
Adorei estas duas semanas. Concretizei um sonho antigo e a companhia não podia
ter sido melhor.
Boston
é uma cidade linda e Nova Iorque é incrível, dia e noite sempre a aviar. É
certo que não tem o glamour de Londres, nem a beleza de Lisboa, é barulhenta
mas incrivelmente apaixonante e viciante. Existe uma diversidade multicultural
e racial incomparável. O taxista, que deu meia volta a Manhattan, para nos
deixar no hotel que ficava a quinhentos metros de Penn Station, era de origem
árabe; as lojas de souvenir, para mim “quinquelhices”, os donos são de origem
asiática, como em toda a parte do mundo; a empregada do primeiro restaurante
onde fomos comer uma pizza e onde estava afixado um cartaz que dizia que não
podíamos permanecer sentadas mais do que 15 minutos, devia ser caribenha,
devido ao sotaque e à cor da pele; e por aí adiante.
Com
tanta diversidade cultural e racial, custa-me crer que tenha sido o único país
que visitei onde fui vítima de racismo e homofobia e nem sequer sou
homossexual. Numa loja quase fui atirada do banco para o chão por duas jovens afro-americanas.
Queriam sentar-se e mandaram-me levantar. Fingi-me de estúpida e disse um “I
Don’t undestand you.” Perante a minha cara de totó, não vão de modos e pimbas,
alapam os seus enormes rabos no sofá. Se não me pusesse imediatamente de pé
caía estatelada no chão. Olhei para elas e perante os seus olhares ameaçadores,
tipo: “o que é que foi? Passa-se alguma coisinha? Tás aqui tás a levar uma
cabeçada”, agarrei na minha amiga e fomos embora com medo que elas me metessem
as suas mãos sapuda sem cima do lombo e me saquem-se um olho com as enormes
unhas vermelhas.
No
dia em que chegámos sentíamo-nos inseguras naquele mar de gente, tínhamos medo
de nos perdermos e de nunca mais nos encontrarmos por isso andávamos de braço
dado. Perto do Central Park, enquanto esperávamos que o semáforo abrisse para
atravessarmos a avenida, reparei numa senhora que nos olhava fixamente. Assim
que o semáforo abriu, avançou na nossa direcção e zás. Dá um enorme encontrão à
minha amiga que deixa cair a mala e que se não estivesse de braço dado comigo também
ela dava ali um trambolhão monumental. A senhora com ar amalucada esbracejava e
gritava connosco sem percebermos patavina do que dizia. Virámos-lhe costas e
continuámos o nosso percurso. De vez em quando, sentia uns olhares de escárnio,
sem perceber muito bem o porquê até ao dia em que fomos ver um jogo de basquete
no Madison Square Garden e uns tipos começaram a fazer-nos rasteiras enquanto
faziam comentários abusivos sobre a nossa suposta homossexualidade. Perante
esta cena disse à minha amiga S que os nossos problemas resolver-se-iam se
deixássemos de dar o braço. E assim foi, depois desse dia nunca mais tivemos
problemas, a não ser com o Senhor taxista afro-americano que nos pôs fora do
carro, quando dissemos que achávamos um absurdo o valor que nos queria cobrar
para nos levar até ao aeroporto, mas esse episódio fica para outras núpcias.
Nunca
tinha sido vítima de racismo, nem em Portugal nem em qualquer outro país por
onde tenha passado, até essa semana em Nova Iorque o que me deixou desiludida. Talvez
por termos um passado de conquistadores e não de conquistados, nunca tivesse
dado pelo facto de existirem pessoas, não interessa a raça, que sofrem as
mazelas do racismo.
Tenho
para mim que os EUA é um desses países, cujas mazelas do racismo estão bem patentes
na memória e nos genes deste povo. Talvez por não ter passado tantos anos da
existência da Era de Jim Crow em
alguns estados dos EUA, que impunha a segregação entre brancos e negros em
locais públicos ou ainda da oculta mas existente ceita Ku Klux Klan, não tenham
conseguido ultrapassar esse problema e ainda exista este estigma na mente do
povo. Afinal de contas, quem compreende que num país tão rico cultural e
racialmente, haja a existência de uma cidade cujo Chefe da Policia é também o
dono de uma loja de armas e membro activo da supostamente extinta ceita Ku Klux
Klan?
Isto
tudo para comentar o facto de a empregada da Trois Pommmes em Zurique ter
recusado a venda de uma mala à Ophra Winfrey.
Gosto
da Ophra e sinceramente penso que não mentiria numa situação tão grave quanto
esta, ou em qualquer outra, e compete-nos a todos delatar estes comportamentos
abusivos, mas será que também não está na hora de pormos este estigma de parte, de
esquecermos os erros do passado e partirmos em busca de um futuro melhor para
os que aí veem? E isso cabe-nos a todos, brancos, negros, asiáticos, árabes,
homens, mulheres… afinal de contas, de uma maneira ou de outra, já todos fomos
vítimas e culpados.
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