Um homem está sentado na esplanada quando, de repente, um cão de pequeno
porte se senta no seu colo.
Vinte e cinco anos, licenciado em biotecnologia, desempregado
e introvertido, António Casulo, como de costume, todas as amanhãs, ocupava
aquele mesmo lugar na esplanada do café do Moisés, ali para os lados da Ajuda.
Desfolhava o jornal e esmiuçava de fio a pavio os classificados, procurando um emprego para a área na qual havia queimado tantos neurónios.
Aquela manhã assemelhava-se a tantas outras. Tudo apontava que seria apenas mais um dia enfadonho comum a tantos outros, não fosse o caso de um maldito caniche, feroz como um lobo da Alsácia, saltar-lhe para o colo e todo entesado, rosnar-lhe baixinho com o focinhoapontado à braguilha.
Casulo tremeu. Em toda a sua vida nunca tinha dado uso ao dito cujo e esperava não ficar sem ele antes de o ver em acção. “Pelo menos uma vez na vida!” – Murmurou. Tentou erguer-se sem êxito.
Aquela bola de pêlo branco, como a neve, de caninos afiados concretizou o que já havia ameaçado. Abocanhou-lhe a breguilha. Por sorte, só apanhou o tecido grosso das Levis.
- Lulu, o qui está fazendo? A mamãe
já ensinou pra ocê que isso não si fazzz - disse uma mulata, de lábios carnudos, pintados de vermelho e de sotaque brasileiro.
- Mi desculpa. O Lulu anda muito assanhado.
- Parece que sim! – Respondeu-lhe Casulo segurando as intimidades, aliviado por o selvático Lulu o largar.
- Vamos Lulu – disse a mulata apressada virando-lhe costas.
O cão obedeceu e Casulo, petrificado, observou-os até desaparecerem.
- É pá, ó Casulo, acho que foste atacado pelo bando da bola de neve – gritou Moisés acenando com o jornal na mão. – Vê lá se te roubaram a carteira!
Na primeira página do DN: “Bando Bola de Neve ataca em esplanadas.”
- O quê? Merda! – Disse Casulo ao constatar a artimanha de que fora vitima.