terça-feira, 13 de agosto de 2013


Há uns anos a minha amiga S ligou-me. Muito estranho, pensei, sou sempre eu a ligar-lhe, ela nunca me liga, só me visita. Então estás pronta para fazermos a nossa viagem? Perguntou-me. Qual, aquela que combinámos fazer quando fomos a Londres? Sim, essa mesma! Estou!
E lá fomos nós rumo aos EUA. De início ficaríamos apenas uma semana por Nova Iorque, depois conseguimos mais uma semana em Rhode Island, na casa de uns amigos da S que passaram de imediato a meus amigos também.
Aterrámos em Nova Iorque e de seguida apanhámos outro voo para Boston onde as nossas amigas nos esperavam. Ali, passámos uma semana fantástica em casa destes novos amigos a quem muito agradeço a hospitalidade. Uma semana depois rumámos a Nova Iorque. Apanhámos o comboio e duas horas depois estávamos em Penn Station. Adorei estas duas semanas. Concretizei um sonho antigo e a companhia não podia ter sido melhor.
Boston é uma cidade linda e Nova Iorque é incrível, dia e noite sempre a aviar. É certo que não tem o glamour de Londres, nem a beleza de Lisboa, é barulhenta mas incrivelmente apaixonante e viciante. Existe uma diversidade multicultural e racial incomparável. O taxista, que deu meia volta a Manhattan, para nos deixar no hotel que ficava a quinhentos metros de Penn Station, era de origem árabe; as lojas de souvenir, para mim “quinquelhices”, os donos são de origem asiática, como em toda a parte do mundo; a empregada do primeiro restaurante onde fomos comer uma pizza e onde estava afixado um cartaz que dizia que não podíamos permanecer sentadas mais do que 15 minutos, devia ser caribenha, devido ao sotaque e à cor da pele; e por aí adiante.
Com tanta diversidade cultural e racial, custa-me crer que tenha sido o único país que visitei onde fui vítima de racismo e homofobia e nem sequer sou homossexual. Numa loja quase fui atirada do banco para o chão por duas jovens afro-americanas. Queriam sentar-se e mandaram-me levantar. Fingi-me de estúpida e disse um “I Don’t undestand you.” Perante a minha cara de totó, não vão de modos e pimbas, alapam os seus enormes rabos no sofá. Se não me pusesse imediatamente de pé caía estatelada no chão. Olhei para elas e perante os seus olhares ameaçadores, tipo: “o que é que foi? Passa-se alguma coisinha? Tás aqui tás a levar uma cabeçada”, agarrei na minha amiga e fomos embora com medo que elas me metessem as suas mãos sapuda sem cima do lombo e me saquem-se um olho com as enormes unhas vermelhas.
No dia em que chegámos sentíamo-nos inseguras naquele mar de gente, tínhamos medo de nos perdermos e de nunca mais nos encontrarmos por isso andávamos de braço dado. Perto do Central Park, enquanto esperávamos que o semáforo abrisse para atravessarmos a avenida, reparei numa senhora que nos olhava fixamente. Assim que o semáforo abriu, avançou na nossa direcção e zás. Dá um enorme encontrão à minha amiga que deixa cair a mala e que se não estivesse de braço dado comigo também ela dava ali um trambolhão monumental. A senhora com ar amalucada esbracejava e gritava connosco sem percebermos patavina do que dizia. Virámos-lhe costas e continuámos o nosso percurso. De vez em quando, sentia uns olhares de escárnio, sem perceber muito bem o porquê até ao dia em que fomos ver um jogo de basquete no Madison Square Garden e uns tipos começaram a fazer-nos rasteiras enquanto faziam comentários abusivos sobre a nossa suposta homossexualidade. Perante esta cena disse à minha amiga S que os nossos problemas resolver-se-iam se deixássemos de dar o braço. E assim foi, depois desse dia nunca mais tivemos problemas, a não ser com o Senhor taxista afro-americano que nos pôs fora do carro, quando dissemos que achávamos um absurdo o valor que nos queria cobrar para nos levar até ao aeroporto, mas esse episódio fica para outras núpcias.
Nunca tinha sido vítima de racismo, nem em Portugal nem em qualquer outro país por onde tenha passado, até essa semana em Nova Iorque o que me deixou desiludida. Talvez por termos um passado de conquistadores e não de conquistados, nunca tivesse dado pelo facto de existirem pessoas, não interessa a raça, que sofrem as mazelas do racismo.
Tenho para mim que os EUA é um desses países, cujas mazelas do racismo estão bem patentes na memória e nos genes deste povo. Talvez por não ter passado tantos anos da existência da Era de Jim Crow em alguns estados dos EUA, que impunha a segregação entre brancos e negros em locais públicos ou ainda da oculta mas existente ceita Ku Klux Klan, não tenham conseguido ultrapassar esse problema e ainda exista este estigma na mente do povo. Afinal de contas, quem compreende que num país tão rico cultural e racialmente, haja a existência de uma cidade cujo Chefe da Policia é também o dono de uma loja de armas e membro activo da supostamente extinta ceita Ku Klux Klan?
Isto tudo para comentar o facto de a empregada da Trois Pommmes em Zurique ter recusado a venda de uma mala à Ophra Winfrey.
Gosto da Ophra e sinceramente penso que não mentiria numa situação tão grave quanto esta, ou em qualquer outra, e compete-nos a todos delatar estes comportamentos abusivos, mas será que também não está na hora de pormos este estigma de parte, de esquecermos os erros do passado e partirmos em busca de um futuro melhor para os que aí veem? E isso cabe-nos a todos, brancos, negros, asiáticos, árabes, homens, mulheres… afinal de contas, de uma maneira ou de outra, já todos fomos vítimas e culpados. 

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